Nunca mais soube dele, assim como de tantos colegas de turma que tive, e que não eram do meu grupo, éramos o “famoso” 9ºB!

A vida passa, e com ela perdemos-nos ou achamos-nos pelo caminho, assim como as pessoas nos perdem e também nos podem achar,  mas, Moisés, não sendo do meu grupo,  nunca mais o achei mas,  também nunca mais  o esqueci!

Era um colega humilde, da aldeia, como tantos outros, sempre muito calado, sempre na sua, como agora se diz, mas, irradiava algo que eu não entendia, para além de uma aparente tristeza, com um misto de felicidade esotérica, tinha uma postura que ao invés de apaziguar irritava a maioria!

Nunca o questionei sobre  nada ,  pois não fazia parte do meu grupo mais directo, mas, percebia  pela sua atitude e seu modo tão introspectivo, sempre tão na dele, ser  o alvo ideal para que fosse vitima, ao que se chama hoje de  bullying!

Também nunca percebi,  porque os restantes colegas da turma, fossem rapazes ou raparigas , o hostilizavam tanto, sem que dele obtivessem qualquer reacção  menos boa, dele, sempre saía um ligeiro sorriso, triste, é certo, mas sorria,  dava a volta, virava as costas, o que deixava os outros ainda mais irritados!

Olhava para tudo com uma intensidade anómala, como querendo tocar no céu, mesmo quando estava a ser vítima de palavras jocosas, por parte de alguns colegas de turma…

Nunca entrevi, por achar que a mim não me competia, até porque, o colocaria numa posição menor, por eu ser uma rapariga, pensava eu!

Coisas de outros tempos, machismo invertido,  em estado puro, condicionando atitudes a favor do género oposto, baseado em crenças parvas de outrora!…!

Um dia, estávamos numa sala de ETV (educação visual), por grupos, em que  Moisés estava bem perto do nosso, e, olhava-nos de vez em quando, com um olhar que nunca percebi, mas era sempre um olhar perdido no tempo…

Eis que uma das colegas do grupo Antonieta, se dirigiu a ele, e lhe perguntou porque fazia sempre aquela cara de parvo!

Fiquei atónita, até a minha colega mais chegada, lhe chamava cara de parvo!!!!

Quando finalmente me ia intrometer em sua defesa, aquele seu olhar intenso direccionou-se à Antonieta e lhe perguntou, com uma voz tão gentil quanto dócil, que mais parecia ter  ouvido um elogia ao invés de um insulto gratuito:

  • Porque me tratas assim Antonieta?
  • Eu alguma vez te fiz mal?
  • Esta sempre foi a minha cara, porque dizes que sou parvo, eu não te acho parva!

Silencio absoluto, de todos, uma grande bofetada de luva branca que Antonieta acabava de apanhar, e que serviu de exemplo para os restantes que ouviram!

Moisés, continuou o seu trabalho tranquilamente sem sequer se preocupar com a resposta, a Antonieta quase que enfiava a cara num saco, eu fiquei completamente satisfeita com o desfecho!

Acabei naquele momento, por entender o que de inicio não entendia, ele estava muito à frente no tempo, o seu olhar, olhava muito mais além, do que o que se passava na escola, e o que irradiava, nada mais era do que paz, uma paz apenas está ao alcance de muito poucos, esse semblante quase parado no tempo que era tratado por quase todos, como um olhar de parvo!

Precisamente por este desleixo, falta de amor interior e visão redutora sobre os outros, o mundo chegou ao caús que se encontra, onde os valores estão virados do avesso!

Como precisávamos de tantos olhares de “parvo“, iguais ao do Moisés, como o mundo seria melhor!

Nunca mais soube nada dele, mas ele ficou na minha memória, e,  tenho a certeza que é uma excelente pessoa, ainda hoje!

OS ANOS LOUCOS